Império Serrano
Império Serrano
“Lugar de mulher é onde ela quiser!”
Carnaval 2020
I N T R O D U Ç Ã O
No Brasil do século XXI muito se fala do “empoderamento” feminino. Mas qual significado real tem este poder? O que determina tamanha ousadia transformada em atitude e, em resposta a ele, qual o olhar da sociedade moderna para esta “nova” mulher?
Para responder ao revolucionário conceito chamado “empoderamento” retrataremos trajetórias de mulheres fortes, combativas, que se destacaram em nossa história e deixaram marcas indestrutíveis com repercussões até hoje. Este poderoso querer surgiu da vontade de reivindicar papéis, espaços, direitos sociais, ocupar lugares por muito tempo a elas negados.
Império Serrano exaltará vozes femininas que se fizeram ouvir e empoderaram outras tantas. Em especial faremos vozear nossa eterna tia Maria do Jongo, através dela, narrativas retratarão esta ou aquela empoderada mulher e o lugar onde ela atuou. Eis porque um brado retumbante ecoará Sapucaí adentro. A passarela momesca será transformada num verdadeiro palco das heroínas sem estátuas, do seu audacioso poder subversivo, do florescente carnaval carioca fecundado pelas matriarcas imperianas.
S I N O P S E
Entrando na roda…
Nasci Maria de Lourdes Mendes, logo me tornei popular entre os nobres imperianos ao ser chamada “Tia Maria do Jongo”. Jongo é uma dança originariamente africana cujo canto, envolto por batuques, me fazia estremecer ainda no ventre materno. Esta negra manifestação cultural enraizada no morro da Serrinha, lugar escolhido por meus pais para habitar quando recém chegados das Minas Gerais, me fez cultivar dois inseparáveis amores: o próprio Jongo e o Império Serrano, agremiação que vi florescer. Já crescida, quis plantar naquele fecundo lugar meu protagonismo social enquanto mulher: virei líder jongueira e por muito tempo fui matriarca da Casa do Jongo.
Lá no morro Serrano, dadivoso torrão onde flores desabrocham em forma de mulher, vi ser cultivada na casa de tia Eulália uma expressiva nata de bambas cariocas cuja semente fez brotar, em 1947, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, escola aflorada no coração do seu nobre povo imperador, que germinou quão árvore frondosa lindos frutos como Dona Ivone Lara, Neide Coimbra, nossa atual presidente Vera, e as finas flores que compõem esse aprazível jardim, nossas mães baianas e todas mulheres imperianas.
Entre batucadas e cantos, entro nesta prosa jongada para glorificar mulheres poderosas. Mulheres que deixaram marcas definitivas ao reescrever nossa história. Quem nunca delas ouviu falar é porque nada a respeito arriscaram registrar. Por isso, leia com atenção tudo quanto anseio prosear: naquele Brasil colonizado perdido no fundo do tempo, lutar por liberdade estimulou Clara Camarão, índia potiguara atuante no século XVII, a garantir seu lugar nas trincheiras históricas após liderar um pelotão armado contra os invasores holandeses fixados em Recife e Olinda.
Pernambuco, aliás, tornou-se cenário duma curiosa batalha chefiada por quatro destemidas libertárias: Maria Quitéria, Maria Clara, Maria Camarão e Joaquina. Temendo roubos de soldados holandeses ao pequeno vilarejo chamado Tejucupapo, elas se uniram para defender sua vila, suas vidas, seus filhos, usando uma arma inusitada: puseram água pra ferver em tachos, adicionaram pimenta e, entrincheiradas, escondidas mata adentro, atacavam com essa mistura, danosa aos olhos dos inimigos. Após horas batalhando, saíram vitoriosas pondo fim ao domínio holandês no Brasil e no dia 24 de abril de 1646 tornam-se as Heroínas de Tejucupapo.
Segue nossa prosa jongada, ecoada ao som dos bantos atabaques, clamando por novos sonhos de liberdade. Neste cenário atuou Madre Joana Angélica de Jesus, considerada a primeira heroína da Independência brasileira, pois pela fé resistiu bravamente aos soldados lusitanos na invasão do Convento da Lapa na Bahia em 1822. Maria Felipa de Oliveira, descendentes de escravos, também vencedora nesta mesma batalha baiana, abandonou seu habitual trabalho braçal como pescadora e marisqueira para liderar um grande grupo libertário composto por índios tupinambás, tapuias, e numerosas mulheres negras.
Um Brasil independente despertou devaneios no imaginário das mártires aqui recordadas. Assim floresceu Anita Garibaldi, esposa mãe revolucionária, que abriu mão duma rotineira vida recatada tão comum entre as mulheres catarinenses donas de casa, para daí pegar em armas e travar batalhas Brasil adentro, mundo afora.
Jongo era um canto festivo, mas também reivindicatório, clamor feito pelos negros escravizados contra a condição desumana imposta pela exploração senhorial. Rebeldia rimava com livre-arbítrio quando batucadas ressoavam nos quilombos, símbolo comunitário de resistência, lugar onde reinou mulheres como Dandara e Tereza de Benguela. Dandara lutou defendendo Palmares até perecer ao reprimir forças opressoras coloniais. Tereza foi aclamada rainha no Guariterê / Mato Grosso, onde revolucionou ao criar um parlamento legislado com justiça. Ambas libertaram mentes cativas introduzindo a sonhada realidade: naquele lugar todo negro poderia ser livre, feliz e aceito.
Eu Maria, canto jongo a você mulher do mundo moderno. Canto aos rumos contempôraneos da sua história, sem negar adversidades, tampouco os meritosos dias de glória, pois ser mulher nunca foi tarefa fácil quando engrenagens industriais anunciaram novos tempos determinando ritmos frenéticos de vidas. Sobreviver ao caos urbano cotidiano permitiu aos ideários feministas ocuparem espaços onde se travou lutas revolucionárias por direitos civis, políticos e sociais. Daí em diante “ninguém nascia mulher, tornava-se mulher”.
Tomar as rédeas de sua própria vida em conexão com aspirações coletivas fez replicar vozes femininas elevadas por megafones em mãos de ativistas, mulheres cujas reivindicações agora eram ouvidas nas ruas, nas fábricas, nos lares, em todo lugar. Algumas personagens despontam neste universo libertador, entre elas Nísia Floresta, pioneira na introdução do feminismo no Brasil. Escritora, defendeu diversas questões sobre direitos das mulheres, indígenas e negros. Leolinda Daltro, considerada “a mulher diabo” por quebrar tabus religiosos, lutou por maior participação da mulher na vida pública, pois queria integrá-la na sociedade com igualdade entre gêneros. Daltro inovou ao formular um projeto inclusivo concedendo ao índio direito de ser alfabetizado. Bertha Lutz, bióloga por vocação, foi ferrenha defensora do voto feminino, por isso fundou uma liga para a emancipação intelectual das mulheres. Pagu, musa do Movimento Modernista, contestava modelos políticos conservadores sendo preza 32 vezes por desempenhar ativa militância pela causa proletária.
Nem submissa, nem devota. Mulher transgressora vive livre, linda, vive louca. Mulher emancipada não se contenta em violar uma regra velha, pretende que sua transgressão se converta numa regra nova. Mulher livre irrita, personifica Rita, Lee psicodélica, tropicalista, roqueira, pop star, new wave. Rita, artista ativista, Mutante como uma ovelha negra que pode ser errante, pode ser diferente, excluída, desprezada, atrevida quando é hora de assumir ou sumir para mudar o mundo. Tão-somente pilotar fogão virou ato renunciado aprisionado ao passado. Hoje, mulher reconstruída, batalha corajosamente em busca de novos campos de atuação, exerce importantes profissões, milita socialmente em diferentes trincheiras.
Enfim, o empoderamento feminino se consolidou como consequente fruto de presente ainda atribulado pelo monstro preconceito. Loucura, porém, será nunca arriscar-se, diagnosticou doutora Nise da Silveira: “É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim será possível mudar a realidade…” Mulher consciente descobre em si mesma a energia para brilhar, abre alas para passar até chegar ao sonhado palco onde deseja atuar. E brilho não faltou ao poderoso talento revelado por Chiquinha Gonzaga, Carmem Miranda, Dercy Gonçalves, Maria Lenk, nossa rainha futebolista Marta Vieira… dentre inúmeras estrelas famosas, outras tantas ofuscadas pelo anonimato, tal qual Margarida Maria Alves e suas mobilizadas margaridas em marcha pelo desenvolvimento rural sustentável com democracia, autonomia, igualdade, liberdade e justiça. Justiça, aliás, aflorou a destemida cidadã Maria da Penha, cuja dor, agora transformada em lei, decreta punição ao agressor porque em mulher não se toca nem com uma flor.
Jongo é batuque festeiro embalado por palavras cantadas. Eu, simplesmente Maria, tia eterna semeada nos nobres corações imperianos, finalizo minha prosa inspirada nos versos duma poetisa empoderada que escolheu seu lugar por entre palavras para comunicar sublimes verdades:
“Liberdade tem toda mulher de voar num horizonte qualquer, liberdade de pousar onde o coração quiser”. (Cecília Meireles)
Carnavalesco:
Júnior Pernambucano
Pesquisa e Sinopse:
Helenise Guimarães e
Júnior Pernambucano
REFERÊNCIAS:
SOUZA. D.p. CARARO. Aryane, Extraordinárias Mulheres que Revolucionaram o Brasil. S.Paulo:Seguinte:2018.
GOES.Ludenbergue, Mulher Brasileira em primeiro lugar. O exemplo e as lições de 130 brasileiras consagrada no exterior. Rio de Janeiro:EDIOURO:2008.
DeL Priore.Mary, História das Mulheres no Brasil. Sm Paulo:Contexto:2018 Burns.Mila, Nasci para sonhar e cantar. Dona Ivone Lara: A mulher no samba. Rio de Janeiro:Record:2009.
Valença. R, Valença. Serra, Serrinha, Serrano o império do samba. Rio de Janeiro :Record:2017. Araújo.B, O prazer da Serrinha: Histórias do Império Serrano. Rio de Janeiro: Verso Brasil Editora: 2015.
Locutor nas escolas de samba do Rio de Janeiro.
Analista de Sistemas, Jornalista (RG 39675/RJ).
Radialista, Compositor e Intérprete.
Repórter do site Carnaval Carioca.