Acadêmicos de Vigário Geral
“O conto do Vigário”
Carnaval 2020

S I N O P S E

Eu sou uma espécie de farsa encenada. Uma piada recontada em que a graça chegou ao fim. Mas que muitos ainda cismam em continuar a sorrir. Sou a palavra refeita, marota e travessa. Tão louca quanto os delírios que contaram sobre mim.

Eu já fui parte do imaginário numa quimera medieval. De Paraíso a Eldorado através de lendas me chamaram. Há quem ainda acredite nas frases que descreviam. De forma impactante exuberâncias, delírios e encantamentos. Do que eu reservava. Entre aves que eram anjos a selvagens sem vergonha. Pergunto-me,meu nascimento, quando se deu?

Fui batizado à mercê da sorte ou da morte. Dos que tanto me cobiçaram, seja em nome da fé ou de um rei. Por outras vezes, fui o ideal de riqueza. Sendo enfim, a solução mais pobre para os problemas nobres.Mas ao me reconhecerem de fato e descreverem em longas páginas.

Que nada de valioso se viu ao aportarem em mim. Me tornei apenas a terra avistada. Que alguém um dia “descobriu” e que por anos não quis mais saber.

Sou aquele conto arremedado de sonhos e quimeras. A chance de toda gente crescer, onde se plantando tudo daria. Mas fui explorado, saqueado, acrescido, garimpando… Poderia ter sido um sonho, mas a realidade ainda me dói demais. Sou a terra que aprisionava quem sonhava com a liberdade. Fui a terra dos tolos que vieram em busca do reluzente vil metal.

Como um santuário de beleza, riqueza e prosperidade. Assim fui vendido, exportado, divulgado e enaltecido. Passei séculos testemunhando os contos que contavam por aí. Nacionalizando vigaristas e trapaceiros. Naturalizando mentiras e meias verdades. E validando um jeitinho que parece não ter mais conserto.

Muitos são os contos, desde a colônia até a independência. Passando pelo sonho de liberdade que se realizou.(Será?!) Sou uma espécie de coisa pública nascida de golpes em golpes. Em que uma nova era prometida sempre camufla o que já é antigo. No moderno jeito de se fazer política. Aliás, a política sozinha é um conto infinito de possibilidades. Que minha gente não cansa de profanar e reinventar. Caindo no conto de requentadas promessas que lhes convém. Vi o homem criar e recriar o modelo do que eu me tornaria. E ainda assim continuo a ser aquele imaginário delirante. Com ares de novidade e renovação que algum ufanista descreveu.

Sou também um bom conto para o povo de Vigário. Lá, ele testemunha a realidade de duras mazelas que saltam à face. Refutando as imagens estampadas no cartão postal. Onde os corações de mães ainda se solidarizam. Em busca de alento, respostas, justiça! E que são apenas representantes de tantas outras realidades. Que contrariam quem diz ser um conto a desigualdade social.

Porém, o mais interessante, o conto por vezes delirante. É o que se constrói sobre um fio de esperança. Em que se haveria uma chance remota de eu dar certo. Seja por sorte ou por viver à espera de alguém a me guiar. E que, milagrosamente, nos salvaria. Mas sem deixar de ser a caricatura do inzoneiro mulato. Aquele que pousa à sombra do coqueiro. Recordando o paraíso de outrora. Sou a terra das palmeiras, das rasteiras. Das mil maneiras de enganar e de se dar bem. E neste auto engano me pinto em aquarela. Me retrato através da beleza da minha gente e do meu som. Em que até o vigarista mais esperto é capaz de acreditar.

É isso aí meu povo! Se o conto do vigário é uma mentira que gera nos outros. A crença em uma verdade legítima. Sou a materialização perfeita daquilo em que se faz acreditar. Sou o Brasil! Esse grande conto. Contado e atualizado, constantemente! E hoje, no palco da fantasia, no delírio da alegria. Em que dizem ser possível esquecer. O que faz na minha gente tanto mal. Cá estou eu a fazer parte de mais um conto do seu carnaval.

Enredo: Rodrigo Almeida
Pesquisa e texto: Anderclébio Macêdo

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