Unidos do Porto da Pedra
Unidos do Porto da Pedra
“Lunário Perpétuo:
A profética do saber popular”
Carnaval 2024
A P R E S E N T A Ç Ã O
Saber! Filosoficamente é o verbo que reúne diversos conhecimentos para pensar, discutir, refletir e ensinar sobre algo. Existem saberes que emergem do povo e este “saber popular” se manifesta em práticas que marcam a identidade de uma comunidade, de parte ou do todo de uma sociedade.
Alguns desses saberes populares foram transcritos para um pequeno livreto, e em 1594, formaram o “Lunário Perpétuo” do astrônomo e naturalista espanhol Jerónimo Cortés. Este artefato único ganhou notoriedade no velho mundo servindo como conselheiro e orientador de homens e mulheres de forma esotérica, cultural e social.
Com os anos o lunário compilou outros saberes, viajou o mundo, foi proibido e se refez. Aqui no Brasil desembarcou no século XVIII com tradução de Antônio da Silva de Brito, e tempos depois, lá pelas bandas do sertão, se tornou objeto precioso. Câmara Cascudo (2001. p. 534) bem disse que ele “foi durante dois séculos o livro mais lido nos sertões do nordeste, informador de ciências complicadas […]. Não existia autoridade maior […]”.
O “prognóstico geral e particular para todos os reinos e províncias” do lunário se fundiu aos saberes populares nordestinos fazendo surgir uma profética singular no século XIX. Também foi base para o almanaque de um matuto que admirava as estrelas, ensinou a cuidar do corpo, inspirou um movimento artístico e foi recriado por um eterno brincante. É o poder do saber!
Por entender a Avenida Marquês de Sapucaí como um grande palco onde o povo é soberano, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Unidos do Porto da Pedra, com distinta sapiência, celebra o saber popular utilizando o “Lunário Perpétuo”, seus ensinamentos e desdobramentos, como guia precioso do enredo do Carnaval 2024.
Encontramos esta história guardada feito tesouro nas faces, nas vozes e na singularidade de nosso país. É a nossa profética para o “esperançar” de um Brasil mais brasileiro. É alquimia, sertão, sol e lua, viola e rabeca. É o nosso…
“Lunário Perpétuo: A Profética do Saber Popular” – Pois nos varais de cordel, nas praças e nas mãos do povo, A sabedoria é chave da libertação!
S I N O P S E
Alquimia dos Saberes
Ao reconhecer o valor da sabedoria popular,
Se fará cumprir esta profecia…
Nascida da primazia da mística humana, elevação do espírito na plena harmonia do ser. Feito toque de conhecimento: Alquimia! Pedra que incendeia! Encandeia! Aura sagrada e mistério de luz.
Para abrir as portas do futuro: Sabedoria. Elo da razão e do misticismo. Segredo dos segredos. Do obscuro à claridade, um santo e alquimistas reunidos. Coisas dos homens, seus laboratórios, invenções e rituais abençoados pelo divino.
Que em tantas-folhas transmuta: Lunário! Aos reinos e províncias um perpétuo guia. Forjado nas trevas da consciência humana, perseguido e proibido. Renascido! À luz da ciência, com um toque de ocultismo e feitiçaria. Conhecimento ou bruxaria? Na mítica popular, um pouco de tudo, do tangível e do sobrenatural. Mistério do sopro da vida. “Quintessência” celestial supralunar. Que atravessa o tempo, imortal…
A Gênese do Saber Popular Brasileiro
Ao navegar por um mar de mistérios, espelho cristalino que serpenteia o mundo, infinito como o próprio saber. E nesse vai e vem o lunário é testemunha da história, clandestino, entre lusitanos esfarrapados ou nobres de fino trato.
Páginas que se misturaram à memória dos saberes originários e dos pretos acorrentados por esta pátria-mãe, nem sempre gentil. Bugiganga. Quinquilharia. Tesouro achado, trocado, herdado ou vendido.
Artefato da gênese do “ser-Brasil” que viu a secura castigar o sertão e o sol arder feito chama de candeeiro. Viu gente que não acaba mais batendo perna e levantando poeira. Fugindo da fome, da sede e da miséria. Retirante, severina, sina.
Amenizador do castigo! Predizendo: A sua natureza é de luta! Na fala dos místicos, o milagre bendito dos profetas anunciadores da chuva. Contemplação dos sinais! O doce beijo da abelha na florada da jurema e o joão-de-barro, passarinho, fazendo seu ninho. A formiga e o cupim mover os pedaços dessa terra. São José aliviar a aflição! E assim…
Presságio dos Astros
Vendo o homem simples olhar para o céu foi possível entender que nele existem outros ensinamentos. Tá na boca do povo: Procure por Manoel! É o “Caboclo” afortunado que decifrou as estrelas. Sabedoria matuta aprimorada com a velha literatura formando um novo arcabouço do conhecimento.
Foi aí que o céu de Juazeiro do Norte traçou destinos e o “juízo do ano” foi apregoado em folhetos. Devaneios astrológicos fundindo oralidade e escrita. Sortilégio na raiz da palavra, previsão geral:
“No Litoral, no agreste ou no sertão
O inverno mediano já nos traz
Relâmpagos e chuvas desiguais,
Dando lucros a uns, a outros não
É feliz quem cuidar da plantação,
Sol e Júpiter governando traz enredo:
Todo rico sofrendo muito medo
E o pobre passando precisão”
Presciência ou alucinação renovando o prognóstico feito almanaque zodiacal. Quem diria! Numerologia e oniromancia. Na palma da mão calejada da lida: Quiromancia! Saberes da roda dos signos e adivinhações na “Casa dos Horóscopos”.
Marcado em tinta, a matriz do saber. Nos tacos riscados com buril estão os personagens destas e de outras bandas do interior. Tá nas praças, feiras e enfeitam o varal de cordel: Magias da boa sorte, bons auspícios, amores e o bem viver. Tudo isso abençoado pelo Padim Ciço e os arcanos astrais. Imagine só…
A CURA DO CORPO E DA ALMA
Que ao se enraizar com outro tanto de gente vai ensinar a cuidar do corpo e da alma! Misturando as coisas do tempo dos antigos e a sabedoria do fundo do quintal. Tome nota, não perca a receita!
Combatendo a pestilência trazida pelas pragas quem sufocam, onde demora a chegar a academia, quem acode é o saber popular. Coisa boa para fazer o bem, bálsamo contra os malefícios. Descarrega tudo que há de ruim! Auxílio para quem precisa! Caridade dos pobres de dinheiro, mas, ricos em candura! Tem benzedor, erveira, parteira. Tem jeito para tudo!
Crença de cada um, acalanto compartilhado com todos. Tem erva de muitos nomes, santo de casa e altar de oração. Semente que germina para virar banho, garrafada e defumação. Raiz forte e folha verde para curar onde dói. É ensinança do velho livreto, é a simplicidade do viver. É infalível. Abraço generoso, basta ter um bocado de fé. É bonito de se ver…
Armorial dos Folguedos Populares
Quando o lunário de saberes seculares se torna inspiração. Suassuna! É chegada a hora, Ariano! Do movimento se fazer armorial!
Recriar a arte de um país vivo para o povo se manifestar com ares de fidalguia. Onde bailam os folguedos, porta-estandarte da cultura, vossas majestades são artistas da mais alta nobreza. Reis e rainhas guardados pelos bons vaqueiros. Chapéu de couro, gibão e o alazão de companhia.
Rabecas e violinos irão anunciar! O encantamento da cavalhada, cavalo-marinho, bumba-meu-boi, maracatu e o pastoril. Misturar o marimbau e as notas musicais regendo orquestra e quinteto. Apaixonante romançal brasileiro da viola portuguesa enluarada pela viola sertaneja.
Flâmulas e brasões. A pintura, a música e a literatura. Reinará nos corações o “rei degolado nas caatingas do sertão” e na “Pedra do Reino” estará o trono da sua volta e ascensão. Domínios de caetana, o próprio sol inclemente. Onde se escreve com ferro quente, Caetana é onça brava, visão alada do porvir. Contações do inesquecível menestrel que vão…
O Lunário Perpétuo de Um Brincante
Misturando outras histórias para se contar, cantar e dançar com um brincante que cria o seu próprio lunário a partir das vivências e o saberes nordestinos. É o saber transpassando o tempo!
Ao palco do velho Marquês, onde desfilam os sonhos do povo, virão os versadores, cordelistas e repentistas herdeiros de Louro do Pajeú. Junta toda essa gente, de São Gonçalo e do nordeste, no coração festivo do Rio de Janeiro para celebrar os devaneios de Antônio Nóbrega!
Com as bênçãos da mãe de Deus! Ave-maria, estrela brilhante, guia do peregrino e honesta flor. É Pernambuco “frevando” e falando para o mundo: A nossa voz é sabedoria que ninguém cala!
Que viaja em delírio e aventurança! A bordo da nau “catarineta” com a sua marujada navegante ou voando com Tonheta e seu “foguete brasileiro”. Tem romance desse Brasil de misturas e questionamentos, tem lanceiros do maracatu rural com suas lantejoulas coloridas, lanças e cocares de pena a duelar. Fascínio, odisseia e sentimento nas grandes veredas do sertão.
É meu povo artista, é da rua, é do mundo. De tudo um pouco a rodar nesse “Carrossel do Destino” onde estão os versos que o poeta escreveu, as cantigas que cantou, cinco ou seis coisas que sabe e outras tantas que ele esqueceu.
Ciranda da vida que vai girando em gerações sem ter fim. Vai tangendo a boiada das suas ideias que se eternizam nas “lágrimas de um folião” e nos sorrisos da meninada que vai escrever o futuro desse país ainda mais genial e plural!
No esperançar de um novo tempo é assim que o lunário perpetua sua missão. Feito livreto ou almanaque transformando pessoas. Curando e se manifestando em forma de arte. Ultrapassando séculos e agora predestinando ao povo mais saber em forma de Carnaval. E então…
“Na magia das cores, no rufar dos tambores”,
“Outra vez o tigre mostra as garras na avenida”,
E faz cumprir esta profecia,
Ao reconhecer o valor da sabedoria popular!
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Joana Paula Costa Cardoso e. “Articulações Armoriais: uma abordagem dialógica/intertextual do Lunário Perpétuo”. Dissertação. Mestrado em Literatura e Interculturalidade. Pró-reitora de Pós-Graduação. UEPB. 2013.
ALMEIDA, Argus Vasconcelos de. “Saberes e Práticas de Cura
no “Lunário Perpétuo” de Gerónimo Cortés (1555-1615) e sua Influência no Nordeste Brasileiro”. Departamento de Biologia da UFRPE. Olinda, 2012.
ALVES DE MELO, Rosilene. “Almanaques de cordel: do fascínio da leitura para a feitura da escritura, outro campo de pesquisas”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, núm. 52, marzo, 2011, pp. 107-122. Universidade de São Paulo. São Paulo, Brasil
CASCUDO, Luís da Câmara. “Dicionário do Folclore Brasileiro”. Ediouro Publicações S.A. 10ª Edição. São Paulo, 2001.
CARVALHO, Reinaldo Forte. “Almanaque Juízo do Ano”: natureza, ciência e magia no Juazeiro do Norte/CE (1961-1996)”. Revista Historiar. Vol. 13. Nº 24. Jan/Jun. de 2021
CORTEZ, Jeronymo. “O non plus ultra do Lunário, e pronostico perpetuo, geral e particular para todos os Reinos e Províncias”. Emendado conforme o expurgatório da Santa Inquisição e traduzido em portuguez por Antônio da Silva de Brito. Of. De Joaquim Thomaz de Aquino Bulho. Lisboa, 1705.
FIGUEIRÊDO, F. F. “As fortunas eruditas e populares do Lunário Perpétuo”. Imburana – revista do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-Rio-Grandenses/UFRN. n. 9,jan./jun. 2014.
FRANÇA JÚNIOR, Luís Celestino de. “O Juízo do Ano. Um estudo sobre o almanaque popular no Nordeste”. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007.
MEDEIROS, Aline da Silva. “Notas sobre a produção, a circulação e a leitura do Lunário Perpétuo de Jerônimo Cortez entre Portugal e o Brasil”. Imprensa da Universidade de Coimbra. Revista Portuguesa de História. Coimbra, 2015.
Nota dos Autores do Enredo
O G.R.E.S. Unidos do Porto da Pedra, através do carnavalesco Mauro Quintaes e do enredista Diego Araújo, agradecem a inestimável contribuição de Antônio Nóbrega para a construção deste enredo. Saudamos também Bráulio Tavares, Ariano Suassuna, Lourival Oliveira, Pixinguinha, Antônio Sapateiro, Antônio José Madureira, Levino Gerreira e Wilson freire que dividem os créditos das composições que formam o espetáculo/CD “Lunário Perpétuo” que é parte da inspiração deste carnaval.
Referências Musicais
A folia no mundo – Um carnaval dos carnavais (Billy Boy, Cesar Reis e Elio Sabino)
No reino da folia, cada louco com sua mania (Vadinho, Carlinhos e Pinto)
O rei e o palhaço – (Bráulio Tavares, Antônio Nóbrega)
Ponteio acutilado – (Antônio Nóbrega)
Romance da filha do imperador do Brasil – (Ariano Suassuna, Antônio Nóbrega)
Carrossel do destino – (Bráulio Tavares, Antônio Nóbrega)
Romance da Nau Catarineta – (Toadas populares, Romance tradicional recriado por Ariano Suassuna)
Canjiquinha – (Lourival Oliveira)
A morte do Touro Mão de Pau – (Ariano Suassuna, Antônio Nóbrega)
Pagão – (Pixinguinha)
Excelência – (Toadas populares, Recriação literária de Ariano Suassuna)
Meu foguete brasileiro – (Bráulio Tavares, Antônio Nóbrega)
Luzia no frevo – (Antonio Sapateiro)
Delírio – (Antonio José Madureira)
Lágrimas de um folião – (Levino Ferreira)
Romance de Riobaldo e Diadorim – (Wilson Freire, Antônio Nóbrega)
Lunário Perpétuo – (Bráulio Tavares, Wilson Freire, Antônio Nóbrega)
Locutor nas escolas de samba do Rio de Janeiro.
Analista de Sistemas, Jornalista (RG 39675/RJ).
Radialista, Compositor e Intérprete.
Repórter do site Carnaval Carioca.