Império da Tijuca
Império da Tijuca
“Cores do Axé”
Carnaval 2023
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Historicamente, o Império da Tijuca apresenta relevantes enredos que bus caram inspiração na cultura afro-brasileira. Como forma de afirmação dos saberes negros, contra o racismo e a intolerância religiosa, sempre se faz necessário afirmar os conhecimentos e as artes que envolvem as religiões de matrizes africanas.
Para 2023, unimos essa poderosa narrativa ao olhar precioso de quem soube reconhecer e se inspirar em um elemento tão potente e enriquecedor, imbuído da força primordial, transformadora e criativa: o Axé. Para a tradição nagô-iorubá, o Axé é a energia vital que está presente no universo desde sua criação. Rodeia, portanto, a humanidade, seus divinos e as substâncias naturais da Terra. Abarca desde a pequena folha de uma grama até a pele do atabaque a rufar.
Também é força do encontro. O Axé se porta como o ritmo que embala a ginga do corpo e preenche o significado da vida. Magia contagiante. É fé, presente nos candomblés e umbandas, dos xirês até os mais singelos amuletos.
De tão vigoroso e presente na nossa cultura, o Axé não passaria despercebido aos olhos curiosos e atentos de quem sabe se encantar com a beleza e a poesia da vida. Foi assim que Héctor Julio Páride Bernabó, original mente argentino, logo se tornou baiano, deslumbrado pela energia criadora e a potência afro-brasileira.
O Axé, que já era arte, ganhou nova visão através deste grande pensador da imagem. Seu fascínio com as cores, os cheiros e os temperos da Bahia se derramaram em telas, aquarelas, painéis e gravuras. Imagens que eternizaram o jeito que só essa terra tem. Ao lado de Amado, Verger e Caymmi, foi um dos principais responsáveis pela construção das “baianidade” e por registrar o Axé em sublimes manifestações.
Com maestria, pintou e esculpiu o cotidiano do nosso povo.Dentre ritos e celebrações do terreiro, festas e aglomerações das ruas, vários momentos repletos de energia ganharam contorno nas obras do artista. Traçou o Axé das vestimentas, dos animais e dos instrumentos dos orixás, além de seus itans e lendas. Tornou-se oga e Obá, cabeça feita no terreiro Ilê Axé Opó Afonjá pela babalorixá Mãe Senhora.
Munido da mais plena energia, nosso enredo se manifesta através das obras de Carybé: filho de Oxóssi, Obá de Xangô e cronista do povo.
S I N O P S E
Tela em branco na imensidão de Olodumarê, tal qual o mundo a ser criado. O primeiro risco do artista é caminho aberto de Axé, onde linhas se encontram feito uma encruzilhada entre a tinta e o papel. O movimento comanda o pincel como energia criadora, que traça os rumos da vida ao preenchê-la de cor.
Do universo funfum, a nossa aquarela. Dos vários matizes, a energia vital.
Eis o Axé.
A princípio, ele desponta em forma de natureza, ocupando as lacunas e se ramificando em galhos frondosos. Afinal, sem folha não há orixá.
Na beleza do mundo, feito mata verdejante de Oxóssi, o Axé se alastra. Flutua no vento alaranjado guiado por lansã, ilumina o céu como o fogo do trovão de Xangô. Escorre no papel em dourado doce, repousando sereno nas águas de Oxum. Deita-se salgado na imensidão azul de Yemanjá.
Os orixás, em seus tons, matizes, animais e instrumentos, ganham forma no rabisco de um Obá, reconhecedor do Axé que pulsa nas cenas de sua arte. Transcendendo a natureza talhada em madeira, a energia percorre outros. cenários. Com traços fortes, o pintor risca o chão do terreiro. Lugar de troca e assentamento.
Ogãs tocam na textura de couro dos atabaques, enquanto fundamentos são evocados para a entrega de oferendas. Reúnem-se em roda, convocam a força essencial, plantam Axé. Fazem dele o ímpeto e a vitalidade para os barracões que resistem.
O batuque dos terreiros se expande derramado pelas ladeiras e o padê abre os caminhos. Nas ruas, pingos de tinta e de gente desenham a paisagem das celebrações que ornamentam a Bahia das obras do Obá. Festas que não existem sem fé. Axé que desconhece a vida sem festa. As celebrações populares têm suas heranças ancestrais.
Seja num xirê, no Olubajé, na lavagem do Bonfim ou em Dois de Fevereiro. Toca o alujá, dança o São João. Saem correndo no Pelourinho os Erês brincalhões. Estão todos ali nas gravuras, pintando a vida com nuances de farra.
O Axé, constante e circular, prolifera. Em aquarela, registra a alegria e o cotidiano da brasilidade.
Está no cheiro da feira, no sabor forjado na panela, no aconchego da pele com cada fio de conta, na ginga da capoeira, no tabuleiro da baiana e em seus balangandãs.
É muita gente que chega, batendo na palma da mão e apostando nos encontros como forças transformadoras.
Arte e cenários se misturam. No quadro, o chão da quadra: ambiente colorido onde o ritmista batuca, o mestre-sala risca o chão, a bailarina gira feito majestade e a folia faz o chão tremer.
Os brincantes compartilham da mesma concha de feijão fervido pela velha baiana, unem-se pela proteção de um pavilhão, desfilam em cortejo.
A cada embalo da bandeira desfraldada, ecoa pelo vento o Axé da ancestralidade do samba. Na avenida, vivemos kizombas, banquetes e batuques. Vibrações máximas, contagiantes, que nos preenchem de energia.
Outrora vazia, a folha agora é painel de encontros tingidos de alegria pulsante.
Através de traços diversos, significados sinuosos de festa e devoção passam pelo olhar do artista e brincam de criar o mundo fundando Axé na quina de uma tela.
Lá no canto do papel, é possível ver a assinatura daquele que o Império da Tijuca anuncia:
Carybé. Obá das Cores do Axé.
Júnior Pernambucano
Ricardo Hessez
Carnavalescos
Felipe Tinoco
Juliana Joannou
Leonardo Antan
Texto
Locutor nas escolas de samba do Rio de Janeiro.
Analista de Sistemas, Jornalista (RG 39675/RJ).
Radialista, Compositor e Intérprete.
Repórter do site Carnaval Carioca.