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Acadêmicos de Niterói
“Catopês – Um céu de fitas”
Carnaval 2024

Prelúdio

Andando pelas dobras do tempo, conduzindo o cortejo / Os Reis do Congo, donos da Congada / Sob o sopro dourado da liberdade / Salve, meu Catopê! / Que “marchou, marchou, marchou” pela poeira da história, pelos séculos. / Descortinou em céu de fitas, onde o verbo se tornou rima / E a romaria se personificou em esperança, em aliança, em herança. / Verteu cores, altares e andores / “Girou, girou, girou” estandartes em nome da devoção / Nossa Senhora do Rosário, / Que a nossa resistência seja tão poderosa quanto nossa fé / Conduza seus filhos, os reis devotos do seu congá / São Benedito, / Nos presenteou com dons celestes de benevolência e confiança / Conduza seus filhos, os reis devotos do seu congá / Oh! Glorioso Divino Espírito Santo, / Frutificando na fé a esperança / Vislumbres de mastros e bandeiras apontando para o céu / Em transe, em êxtase, velas acesas / Ausente e presentes / Renovando promessas, ritos e rezas / É tempo de Catopês! / Milagres do coração em nome do amor. / O meu catopê – O arauto ao Rei Negro.

Os Catopés simbolizam os negros, os Reis do Congado, a fé nos santos, personificação do divino, o legado de liberdade.. Representam a tomada de posse do seu espaço, a promessa aos santos, os ritos de fé. A história dessa manifestação cultural começa através dos escravizados que vieram da África e seus descendentes que chegaram em Minas Gerais levados a princípio, em sua grande maioria, para trabalharem em garimpos de ouro, pedras preciosas e agricultura.

Embora não houvesse garimpo na região onde hoje se encontra Montes Claros, o Arraiá das Formigas teve influência quilombola e pretos forros, que faziam da região um local de rota entre o norte e o sul do estado mineiro. Alguns deles conseguiram experimentar significativa ascensão econômica e prestígio social, tornando-se até mesmo grandes fazendeiros, influentes dentro de irmandades e confrarias religiosas. Com o passar dos anos, virou um organismo preponderante dentro dos domínios contra o seu opressor.

Considerando as origens dos negros trazidos para a região norte mineira e todo o processo de esquecimento de suas bases ancestrais, os catopês reconfiguraram a forma de manter suas matrizes vivas, porém conectadas em ideologias religiosas de uma geração que já havia incorporado crenças católicas à sua fé, passando pela devoção aos santos negros e virgens negras. No caso de Nossa Senhora do Rosário, essa simbiose religiosa se faz presente em cortejos que passaram a ter presença massiva de homens negros que mesclavam os ritos religiosos e das confrarias com festejos que passam a trazer congos, congadas de origem totalmente africana, que celebravam a entronização do rei novo.

Com o passar dos anos, as congadas da região começaram a ganhar uma peculiaridade que destoava dos estilos de vissungos, pois seus grupos de catopês, diferente dos outros espalhados por Minas Gerais, passaram a elaborar essas congadas por meio de uma dança que elevava os corpos sempre mais altivos, com cânticos e marcações instrumentais mais alegres onde o “lamento”, ladainhas ou expressões de dor e tristeza não são utilizados.

Fé no Rosário, pois bendito é o Benedito, viva o Divino Espírito Santo que nos ilumina e inspira.

O catopês, em sua trajetória multicultural de existência e resistência, tem aproximadamente 184 anos em Montes Claros. Com o decorrer dos anos, ganhou a estrutura que conhecemos atualmente como as “Festas de Catopês” ou “Festas de Agosto”. Atualmente, são divididas em seis grupos: três grupos de catopês, dois de marujos e um de caboclinhos, que estão organizados no que eles chamam de ternos.

Os ternos de catopês são dois devotos de Nossa Senhora do Rosário e um de São Benedito, com grandes adornos na cabeça, só usando instrumentos de percussão. Os caboclinhos são devotos do Divino Espírito Santo, são identificados através das vestimentas indígenas. Trazem enfeites de penas coloridas, eles também utilizam a rabeca, um instrumento de arco, precursor do violino. Por fim, temos a marujada, devotos do Divino, eles trazem referência à tradição luso-espanhola com conexão entre a luta dos mouros e cristãos, com o uso dos instrumentos harmônicos como violas, violões e cavaquinhos.

“… Nossa Senhora iê, lá no seu altar
Hoje é o vosso dia para festejar…”

Com as ruas enfeitadas de fitas coloridas, o céu vira um tapete, para o cortejo popular se apresentar, a procissão se realiza na parte da noite e se repete durante os quatro dias, sempre levando ao ápice final com o levantamento dos mastros simbolizando o eixo do mundo, quando o céu na palavra de seus participantes se conecta com à terra (Deus/Homem). Após o giro em volta dos mastros, realizado pelos mestres dos ternos, seus devotos acendem velas o circulando em nome da fé, gratidão, das promessas e do amor aos santos representados. Esse rito também simboliza a conexão com o mundo espiritual relembrando os “ausentes”, a ancestralidade de quem contribuiu para a cultura Catopês e hoje não se encontra presente fisicamente. Na manhã seguinte após o levantamento do mastro há o cortejo da corte dos reis do santo..

“… São Benedito êê, lá no seu altar
Hoje é o vosso dia para festejar…”

Cada mastro levantado nos dias de festividade corresponde a um santo. No primeiro dia, Nossa Senhora do Rosário sendo simbolizada através da cor azul. Segundo dia, São Benedito através da cor rosa. Terceiro dia, o Divino Espírito Santo com vermelho. Uma particularidade é que no cortejo que está relacionado ao Divino Espírito Santo as figuras que representam a realeza não são reis e rainhas, e sim imperador e imperatriz do divino, num grande auto ao Império do Divino.

“… Viva o Divino, meu santo querido
Pelos seus milagres que nós temos vivido…”

No domingo, o último dia, há a grande procissão com todos os ternos de catopês, caboclinhos, marujos e suas respectivas cores até os mastros com os estandartes, um gigante ato de amor e fé. O céu de fitas também ganha a tonalidade dos fogos e o som do sino da igreja corta os ares da cidade. É tempo de celebrar e renovar os votos de esperança, de aliança, tempo de fazer promessas!

O Legado da Alma do Catopê: zanzando em céu de fitas, em corpo de pipa.

Quando falamos de legado e de pessoas que contribuíram para que a cultura dos catopês não morresse, temos como um dos principais líderes Mestre Zanza, neto de escravizados que ajudaram a fundar o catopês na região. Foi presidente do terno de catopê mais antigo, o de Nossa Senhora do Rosário. Ele começou ainda criança com 4 anos, envolvido nas apresentações dos ternos ao lado de seu pai. Ganhou o apelido de Zanza dado por sua mãe devido à expressão usada por ela por viver “zanzando” (andando) pelas ruas da cidade. Teve papel preponderante durante a década de 60, quando a elite mineira eliminou as festividades do calendário de Montes Claros e ainda assim saiu ao lado dos Mestres João Faria, Expedito e o catopê Sinhô, conduzindo o mastro de Nossa Senhora do Rosário em silêncio pela noite, mantendo viva a promessa feita pelos seus ancestrais. Foi a persistência e luta que mantiveram o ritual vivo com o “Axis Mundi” do giro no eixo do mastro conectando o sagrado ao mundo dos homens nos anos em que os tambores foram silenciados.

Zanza também foi presidente da Associação dos Catopês, Marujos e Caboclinhos, lutando por apoio e incentivando a manutenção das tradições dos ternos, que acabaram inspirando o surgimento de outros grupos folclóricos, parafolclóricos e manifestações culturais que nasceram como o “Grupo Fitas”, folias de reis, capoeira, entre outros. Zanza se tornou o maior expoente da cultura catopê no século XX e XXI, tanto que sua imagem hoje estampa o projeto cultural e artístico Zanzando que permite que tantos outros talentos não sejam silenciados pelas hordas da ignorância.

O catopê é um legado passado de pai para filho, de boca em boca, de instrumento em instrumento, de cortejo em cortejo, de promessa em promessa. Graças a muitos negros reis de Congada, Graças a Mestre Zanza, Mestre Nenzim, Mestre Miguel, Mestre João Faria, Mestre Expedito e catopê Sinhô… E a tantos outros ausentes, mas que estão presentes a cada promessa que se faz cortejo em nome da fé que move os milagres.

É romaria, em tempo de Catopês!
Momento de voar em céu de fitas.
Fazer cortejo em dias de agosto.
Ser liberdade em corpo de pipa.
Levar estandartes em nome da fé.
Hoje e sempre…

Texto e Pesquisa: Vando Fernandes
Desenvolvimento: Thiago Martins

Bibliografia

MALVEIRA, Ricardo Ribeiro. Os Catopês de São Benedito em Montes Claros: Rastro de uma ancestralidade mineira negra e festiva. Programa de Pós Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal da Bahia (UFB), Salvador, 2011.

BRITO, Ângela Ernestina Cardoso. Catopês: Histórias de lutas e formação de identidade em Montes Claros – MG, Programa de Estudos Pós Graduação e Mestrado em Política Social, Rio de Janeiro, Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro, 2014.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Performance musical do ternos de catopês de Montes Claros. Tese/Doutorado – Programa de Pós Graduação em Música, Universidade Federal da Bahia.(UFB), Salvador, 2005.

COSTA, João Batista de Almeida. Os Catopês de Montes Claros: A história dos ternos na festa de Nossa Senhora do Rosário.

QUEIROZ, Luis Ricardo Silva. Catopês, Marujos e Caboclinhos no contexto social de Montes Claros: Uma história de música, festa, devoção e fé. Artigo da Revista Verde Grande, Universidade Estadual de Montes Claros, Prefeitura Municipal de Montes Claros, volume 1 – nº2, 2005.

G1.COM. Festas de Agosto começam em Montes Claros e propõe o resgate das tradições. Disponivel em: https://abre.ai/gqhk.

COSTA, João Batista de Almeida. Mestre Zanza: O catopê que rege a alma montesclarina.

COSTA, João Batista de Almeida. Os Catopês de Montes Claros: A história dos ternos de Nossa Senhora do Rosário.

COSTA, João Batista de Almeida. Depoimentos e áudios obtidos entre Abril e Maio de 2023.

MESTRE ZANZA JR. Depoimentos e áudios obtidos entre Abril e Maio de 2023.

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